quinta-feira, 28 de maio de 2009

Reflexões sobre a ferrugem

Conversando com dois europeus que moram há muitos anos no Brasil, eles se queixavam das dificuldades do país, do atraso de seu povo, da corrupção dos políticos, da instabilidade econômica, da insegurança, da volatilidade de normas e leis que um dia valem, no outro não... Enfim, um rosário de queixas, todas com muito de razão. Tentei argumentar que estávamos fazendo conquistas: que Nicolau estava na cadeia; que políticos já tinham sido cassados; que ACM tinha caído; que Maluf estava em apuros; que até já tínhamos deposto um Presidente da República!
Argumentei que não podiam comparar linearmente as civilizações; que éramos muito jovens enquanto nação. Lembrei-lhes que os avôs de meus avôs andavam nus pelas matas das Américas e Áfricas, enquanto na Europa, Cícero já esculhambava Catilina e já catilinara contra os corruptos que abusavam de sua paciência. E nós nus nas matas. Já bafejavam o renascentismo quando deram com o costado por aqui e se deslumbraram “com nós nus nas matas”. Que eles nos dessem mais 300 anos de crédito, já que, muito por culpa do modelo colonial econômico de rapinagem imposto por eles (e que permanece até hoje) – e que sempre os favoreceu – é que ainda somos assim...
Civilizadamente não prosseguimos na discussão. Abrimos outro vinho e falamos sobre pescarias. Eles muito preocupados de que eu fosse tirar uma borduna escondida debaixo da mesa e arrebentar-lhes as cabeças, e eu puto, com muita vontade de tirar minha borduna de debaixo da mesa e arrebentar suas cabeças.
Lembrei-me deste diálogo e da conclusão que cheguei, de que os cidadãos dos países que nos exploram e que nos impuseram este modelo econômico e social corrupto, também só tem 500 anos como colonizadores e portanto mudaram muito pouco sua maneira de olhar para nós. Ainda nos olham com sua visão colonialista. Ainda nos entendem como seres exóticos que precisam levar alguns choques e porradas para aprender o evangelho da civilização. Mas eu me lembrei do papo, por outra questão, ou uma questão correlata:
Outro dia atendi ao telefone.
- Alô, é o Senhor Beto? Senhor Beto Nogueira?
- É ele mesmo.
-Oi Sr. Beto, aqui é o Ferrugem.
- Quem?
- Ferrugem! Você já ouviu falar de mim, não é?!
- ...?!
- Porra seu Beto o senhor não é o representante do governo do Estado na região?
- Sou...
- E o senhor não me conhece? O senhor já ouviu falar do Ferrugem não é? Todo mundo me conhece!! O senhor sabe quem eu sou, não é?! O senhor sabe quem é o Ferrugem, não sabe?!
E o cara já estava ficando agressivo.
-Olha meu amigo – respondi – o único ferrugem que eu conheço é o que está corroendo minha bicicleta e anda de carona em meu carro...
- Presta atenção – falou quase com piedade pela minha ignorância – eu sou o Ferrugem, COM- PA- DRE do Governador.
Ah! Porque ele não falara antes? Afinal era o famoso Compadre, o Ferrugem do Governador!
Mas afinal o que queria de mim a maior praga das latarias de nossa cidade?
Nada demais. Ele precisava de uns “favorzinhos” para uns amigos dele, sempre deixando bem claro que quem estava pedindo era o COM-PA-DRE DO GOVERNADOR.
Despedi-me do compadre e ficaram em mim as sensações da conversa anterior com os dois europeus...
Afora a vontade da borduna, a certeza, que a Corte trata seus cidadãos do interior com a mesma arrogância e distância que os países d'além mar tratam a nós ameríndios.
Os Capitães do Mato d¹'antão, estão travestidos de Compadres.

Beto, 27/05/09.

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